Foi no colorido outono de 1985, mais precisamente na quarta quarta-feira de um novembro solitário, que parti de Burlington, Michigan, uma pequena cidade do interior dos EUA, para passar o feriado de Thanksgiving na casa de uma amiga de minha avó. Estava no meio do primeiro semestre de uma intercâmbio cultural pelas terras de Tio Sam. Aquele intercâmbio de emergência foi mais como uma fuga descontrolada de dias tristes após o suicídio de minha mãe. Deixando atrás um pai todo atrapalhado e dois irmãos.
Ainda estava muito revoltado para aceitar aquela vida pacata no interior de Michigan, convivendo com uma família simples e evangélica numa fazenda abandona nas terras gélidas do norte dos Estados Unidos. Esta minha viagem, para Maryland e washington DC, estava sendo um presente para aliviar aqueles dias ainda mais solitários naquela distante cidadezinha americana. Entretanto, minha maior surpresa não veio apenas com o acolhimento destes amigos de minha vó e sua casa perto das embaixadas, belíssima; nem veio daqueles plátanos exibidos e faceiros trocando de cor e deixando cair as folhas, como se nada mais pudesse superar aquele show, além dos eu próprio fim; a surpresa veio através de um outro pequeno detalhe, uma casualidade...Esta amiga de minha avó tinha uma filho, que me acolheu naquele feriado de uma forma toda especial. Presenteou-me com um livro e uma fita cassete. O livro era uma coletânea da Batam Books de alguns escritos de Oscar Wilde. E no cassete, alguns clássicos como "Soul Love" by David Bowie, "Johnny Come Home" by Fine Young Cannibals, "This is The Day" by The The, "E=MC2" by Big Audio Dynamite; "Love Vigilantes" by New Order, entre outras...
Depois de algumas conversas, esta nova amiga contou-me que seu filho, naquela época com 21 anos, estava no acóolicos anônimos. Apesar de ter cursado os melhores colégios de washington, a barra de seu ex-marido acoólico havia levado quase toda a família rumo a uma destruição vagarosa. Aquilo tudo fez abrir vórtices em uma alma fechada como a minha, ainda meio triste e perplexo com a tragédia não muito distante em minha vida. Louis, este era seu nome, ainda me levou em um club de jazz para asistir Dizzy Galaspie. Era um deste pequenos bares em George Town, seu clarinete parecia quase tocar em mim, o que dizer de suas bochechas elásticas. Foram apenas três dias, mas foram como bálsamo, vindo deste outrem, deste querer ver, além de fronteiras imaginárias, materializadas em espectros carrancudos que criamos em nós mesmos. Ainda tenho o livro que ele me deu. Tinha apenas 16 anos quando, pela primeira vez, folhei as pérolas de oscar Wilde. Sim, ao som de Big Audio, ou de Bowie, já que o bom pop tem esta maciez que permite rejuvenecer os clássicos, descobri uma outra alma maravilhosamente perturbada, deslumbrada, crítica e apaixonada. Quando pude, comprei a biografia de Wilde, por Richard Ellmann, o mesmo que escreveu o prefácio de meu velho pocket book. No primeiro capítulo, Richard Ellmann cita Wilde:
"A alma nasce velha, mas rejuvenece. Esta é a comédia da vida. O corpo nasce jovem e envelhece. esta é a tragédia da vida".
Mais tarde comprei da coleção de clássicos da Penguin, outros contos fantásticos como Lord Arthur Savile's Crime, o hilário The Canterville Ghost, entre outros...
Nada melhor para fazer sorrir a alma velha do que música e uma boa literatura! Louis já sabia aquilo, talvez como terapia própria, e deve ter recebido toda um sermão de sua mãe ao dizendo que estava chegando um menino que acabava de experimentar uma tragédia, antes mesmo de envelhecer...mas sabia ele destes vórtices, destes redemoinhos gigantes e, logo, jougou-me um pedacinho de madeira, para que eu me controlhasse naquela descida aos abismos profundos do Maelström*.
Novembro passado, em 2008, 25 anos depois, virei um fotógrafo amador. Enlouquecido, passei 8 horas fotografando o cemitério de Père-Lachasie em Paris. Nunca fui tiete, muito menos de túmulos, fotografava os mais fotogênicos. Mas não contive minha emoção no túmulo de Oscar Wilde, todo marcado com beijos de batom. Um toque humano, quase que um contato. Belíssimo, na forma de um anjo, me fez relembrar estes tempos que não formam um passado, mas giram constante me trasformando, este redemoinho...
Para Louis, dedico estas pérolas de Wilde, grifados no ano de 1987:
"Moderation is a fatal thing. Enough is as bad as a meal. More than enough is as good as a feast."
(Lord hanry in The Picture of Dorian Gray)
"Demmed clubs, demmed climate, demmed cooks, demmed everything. Sick of it all!"
(Lord Augustus in Lady Windermere's Fan)
"Yet each man kills the thing he loves,
By each let this be heard,
Some do it with a bitter look,
Some with a flattering word,
The coward does it with a kiss,
The brave man with a sword!"
(Oscar Wild in The Ballad of reading Gaol - lembrar Querelle de fassbinder...)
"What is past is past.
You Call yesterday past?
What has the actual lapse of time got to do with it? It is only shallow people who requires years to get rid of an emotion. A Man who is master of himself can end sorrow as easily as he can invent a pleasure. I don't want to be at the mercy of my emotions. I want to use them, to enjoy them, and dominate them." (basil answering Dorian's question about the past in The Picture of Dorian Gray)
"Never mind what I say, Robert! I am always saying what I shouldn't say. In fact, I usually say what I really think. A great mistake nowadays. It makes one so liable to be misunderstood."
(Lod Goring in An Ideal Husband)
"The truth is rarely pure and never simple. Modern life would be very tedious if it were either, and modern literature a complete impossibility" (Algernon in The Importance of Being Earnest)
"Ah! I have kissed your mouth, Iokanaan, I have kissed your mouth. Your lips had a bitter taste. Was the taste of blood?...Perhaps it was the taste of love. They say that love has a bitter taste...But what does it matter? I have kissed your mouth, Iokanaan. I have kissed your mouth."
(The voice of salome in Salome)
"Looking at him, one would have said that Nemesis had stolen the shield of pallas, and hown him the gorgon's head. He seemed turned to stone, and his face like marble in its melancholy. He had lived the delicate and luxurious life of a young man of birth and fortune, a life exquisite in its freedom from sordid care, its beautiful boyish insouciance; and now for the first time he had become conscious of the terrible mystery of Destiny, of the awful meaning of Doom."
(Lord Arthur Seville's Crime)
http://www.youtube.com/watch?v=gjbGncGg4gI Big Audio
http://www.youtube.com/watch?v=UxUqp0hLChc - Soul Love
http://www.youtube.com/watch?v=phWv7l8Lm_A
* Uma Descida no Maelstöm - Edgar Allan Poe
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